terça-feira, novembro 10, 2020

Assimetria na Defesa e Estados Periféricos

No fatídico dia 1 de setembro de 1939, o comandante do 18 Regimento da Brigada de Cavalaria Pomorskacoronel Kazimierz Mastelarz, fez uma carga bem sucedida com sabres contra o batalhão de infantaria da Wermachht acantonado próximo ao vilarejo Krojanty. Poucas horas após, uma coluna de Panzers surgiu no terreno e dizimou os defensores, retomando o terreno ganho há poucas horas e cobrando a vida do próprio comandante antes mesmo que pudessem se retirar.

Nas palavras de Guderian, "A Brigada de Cavalaria Polonesa Pomorska, na ignorância da natureza de nossos tanques, tinham dado carga com espadas e lanças e sofreram perdas enormes".

Essa foi uma das últimas cargas de cavalaria registradas pela história e bem exemplifica a assimetria tecnológica.

Quatro séculos antes, aqui mesmo em nossas terras, nações indígenas foram dizimadas pela assimetria de armas com os europeus invasores. O domínio do uso dos metais e da pólvora tornaram inúteis quaisquer focos de resistência. 
Há inúmeros episódios em que a própria coragem e combatividade de povos foram somente sacrifícios inúteis e incapazes de promover sua defesa pela simples assimetria de forças. que superam a valentia e quantidade de tropas.

Pois bem. Passados quase 80 anos da invasão da Polônia pelos exércitos de Hitler o mundo se transformou radicalmente. As duas grandes guerras, a corrida armamentista pari passu à revolução tecnológica nos campos da eletrônica, nuclear e de processamento da informação no ambiente da Guerra Fria e também no posterior a ela estabeleceu novas formas de ocupação e domínio que levam a se rever absolutamente os conceitos sobre Defesa.

A tecnologia superou fronteiras, o mundo interconectou-se em gigantescas redes de comunicação, os próprios conceitos de soberania se esgarçaram, passaram a ser a permitida, não mais a conquistada. Países periféricos somente sobrevivem pela conciliação, não mais pelo confronto.
Mundos novos chocam na mudança de paradigmas. É mais do que hora de se rever as premissas de defesa nacionais.
Os países do Grupo IV (V. http://fregablog.blogspot.com/2020/07/poder-militar.html) concentram tal poder assimétrico que não há barreiras possíveis e capazes de impedir sua ação. Os do Grupo III causariam um pequeno dano, os outros, simplesmente seriam varridos. A presença física do soldado é substituída pelo aparato tecnológico, seja telecomandado, seja pela capacidade de destruição à distância, com mísseis hipersônicos com alcance mundial em alguns minutos e  enorme precisão de alvo, lançados a partir de ambiente seguro em seus próprios territórios.
Qualquer tentativa de reação remeteria a inútil do Cel 
Mastelarz, porém potencializada em grau inimaginável.
Defesa não é mais assunto de quartel, mas de centros de pesquisa e de inteligência. Por incrível que pareça.

O conceito ortodoxo de Defesa, com tropas preparadas para repelir invasões externas necessariamente terá que evoluir para Segurança, no qual cientistas ocupam os espaços que tradicionalmente eram de militares. Se já está se tornando impossível a defesa bélica  territorial, pela própria assimetria antes referida, cuja integridade somente se mantém pela capacidade de articulação e convivência na qual a diplomacia tem papel fundamental, a segurança das populações adquire maior dimensão, pois as invasões não mais acontecem por tropas e também não é a ambição territorial que movimenta a máquina bélica, antes o acesso a riquezas. Os exércitos, nesse caso, estão nos centros financeiros mundiais, não nos Quartéis Generais. A segurança dos países periféricos está na capacidade de gerenciar o melhor uso e exploração de seus recursos.

Volto-me à Amazônia, brasileira em sua maior extensão, detentora de recursos incomparáveis.
O mundo desperta para a necessidade de sua sobrevivência, a pauta ambiental está na ordem do dia mundial. Mais do que as próprias riquezas do subsolo, a floresta é ambicionada como floresta, por seu impacto na vida planetária ainda não totalmente  dimensionado, porém incontestavelmente existente. Esse é o nosso grande ativo  e será nosso pra valer se o preservarmos. Até porque o impacto da floresta em nossa maior região produtora central, esse já é bem conhecido e nossa segurança depende muito de nossa capacidade de produção agrícola. É bom deixarmos ufanismos e bravatas de lado, a Amazônia somente será nossa se preservarmos sua cobertura vegetal originária. Caso contrário, alguém nos substituirá, ou um organismo internacional, ou mesmo um dos países do Grupo IV.
E pouco importa se temos a melhor e mais preparada tropa de guerra em selva do mundo, assumindo que isso seja verdadeiro. Temos um exemplo muito recente, o Amapá capitulou com 5 dias sem energia. Fica a questão, quantos minutos seriam necessários para que todo  sistema elétrico da região fosse desativado ou mesmo danificado?
De que adianta tropas preparadas sem que possam ser supridas? E vão lutar contra quem? Contra drones de alta precisão telecomandados? Contra mísseis? Repetir o bravo Cel Masterlaz?

Países periféricos, como o nosso Brasil, investem recursos significativos, até além do que dispõem, em sua capacidade bélica. Melhor fariam se investissem na ciência e na diplomacia, para sua própria segurança.
Esse é o único caminho de sua sobrevivência soberana.