segunda-feira, agosto 22, 2022

De Proscrito a Mito Parte II – O Tenente Sindicalista

(Continuação do artigo  em http://fregablog.blogspot.com/2022/08/de-proscrito-mito-parte-i-o-resgate-da.html

Bolsonaro, bem jovem, passou em dois concursos públicos em 73. Para a EsPCEx e para a AMAN. Não são concursos fáceis, são bastante disputados e exigem bom nível de conhecimento.
Oriundo de família de classe média baixa numa região pobre de São Paulo, há que se reconhecer o esforço para esses sucessos.

Em 1977 formou-se Oficial do Exército na Arma de Artilharia, tendo simultaneamente concluído o curso de formação de paraquedismo militar.
Nesse ponto surge a primeira descontinuidade da curva.
A formação do oficial de artilharia exige conhecimentos técnicos que se mostram incompatíveis com o nível intelectual que o capitão apresenta. Como na AMAN não existe o fenômeno da cola em provas, é inexplicável sua conclusão do curso. Talvez tenha nascido com um lunar na testa, só assim, no caso fortuito, haveria alguma explicação.
Posteriormente, já como oficial, concluiu o curso na Escola de Educação Física do Exército, na Urca. Em tropa mesmo, não fazendo cursos, passou menos da metade de seu tempo de serviço, tempo esse que lhe rendeu, com menos de 35 anos de idade, a pensão vitalícia por reforma.

Já como tenente, sua inadequação e até incompatibilidade com o oficialato  começaram a ser registradas. Uma avaliação de seu comandante, o Cel. Alfredo Pellegrino, apontou Bolsonaro como “dono de excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente, além de demonstrar permanentemente a intenção de liderar oficiais subalternos, no que foi sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos.” (FSP 16/mai/17)
Em português claro, trambiqueiro, desrespeitoso e burro.

Como tenente pleiteou ingresso no IME. Na época era concedida uma licença remunerada de dois meses para que os candidatos frequentassem curso preparatório para o exame de ingresso.
Consta que Bolsonaro assistiu a uma aula. Ou assustado pela falta de preparo básico para acompanhar, ou por pura e simples malandragem, teria juntado suas tralhas e ido garimpar na Bahia durante a licença. Voltou para prestar o exame, foi reprovado, mas ganhou dois meses sem trabalhar. Alega que estava de férias, o que parece não ser real.

Ninguém desconhece a crise herdada pelo governo Sarney quando da redemocratização.
A desestruturação econômica legada pela ditadura era assustadora e isso se refletia, naturalmente, numa hiperinflação que corroía os salários. Os militares não eram exceção, a ditadura militar, ainda com a cultura antiga não dinheirista dominante, não lhes tenha favoreceu.
Diferentemente do atual governo, onde agem despudoradamente em causa própria, a situação salarial da tropa, incluindo a oficialidade, era bastante crítica. Campo fértil para um jovem oficial ambicioso, suficientemente insubordinado para quebrar regras e assumir a postura reivindicatória de classe por dinheiro.

 Em 1986, capitão paraquedista, assinou uma matéria publicada na Veja, Coluna Ponto de Vista, com o título de O Salário Está Baixo.
Embora o apoio velado e até acovardado dos colegas, foi punido com prisão por quinze dias e submetido a Conselho de Justificação pela infração disciplinar. Começou a se desenhar a proscrição do militar indisciplinado e nascente líder sindical.

Submetido ao Conselho de Justificação, foi considerado culpado.

No ano seguinte foi matriculado na EsAO, mas isso não interrompeu suas atividades pára-sindicais. Face à expressa proibição de movimentos sindicais nas Forças Armadas, passou a utilizar as mulheres dos oficiais nas mobilizações, panelaços e outros movimentos reivindicatórios. O artifício lhe colocou a salvo das punições e fez crescer seu prestígio entre os oficiais, que assim se preservavam por haver surgido alguém disposto a correr o risco por todos.

Um anti-herói sob o olhar da Corporação, um falso líder. Mas que começava a despontar em imagem e a ser conhecido.
Em 87 a insubordinação assumiu proporções de terrorismo.


Em reportagem novamente à revista Veja, à jornalista Cássia Maria, cometeu o sincericídio – planejado e consciente – de assumir a elaboração de plano terrorista, com explosão de bombas em quartéis para intimidar o então Ministro do Exército e o próprio presidente Sarney.
Em croquis desenhado de próprio punho, entregou à repórter o esquema de explosão da adutora do Guandu, suprimento de água para a cidade do Rio de Janeiro, com a possibilidade de terceirizar a culpa como se fosse ato terrorista da esquerda, uma justificativa para o endurecimento e interrupção do processo de redemocratização.
Dois coelhos com uma cajadada. Não é de hoje seu desprezo pela democracia, pelas instituições e, em última análise, pelo Estado Democrático de Direito que já se esboçava na Constituinte em curso.

Evidentemente interpelados pelo Ministério do Exército, o Cap. Jair Messias Bolsonaro e seu cúmplice, Cap Fábio Passos da Silva, negaram.

Apontaram que a jornalista e a revista haviam forjado e mentido por interesse de comercialização de tiragens maiores.
Quatro meses de investigação, a conclui-se que  quem estava mentindo eram os próprios oficiais, não a revista, e foi determinado que respondessem a um Conselho de Justificação.

Em 19/abr/88, o Conselho os considerou culpados por unanimidade e declarou “sua incompatibi-lidade para o oficialato e consequente perda do posto e patente, nos termos do art 16, inciso I, da Lei 5836/72".

Havendo o Ministro do Exército inicialmente acreditado nos capitães e saído em sua defesa, os fatos posteriores mostraram que estavam mentindo era os oficiais, não a jornalista ou mesmo a editoria da revista. Desgastado, retratou-se e foi elaborada uma Ordem do Dia para leitura formal em todas as unidades do Exército.

Essa Ordem do Dia simplesmente era a pá de cal na carreira..

A acusação pública e oficial de mentiroso é fatal para um oficial. É um banimento, declaração de proscrição.
Como observação complementar. Das duas condenações nos Conselhos de Justificação, a da prisão por quinze dias e a da perda da patente e expulsão do Exército, Bolsonaro foi absolvido em recurso ao STM.

O fato é que a Justiça Militar avaliou que seria muito comprometedor admitir, logo após a redemocratização, que um oficial houvesse planejado atos terroristas. Foram decisões corporativas, ridículas e contrariando inclusive o voto do Ministro Relator.
Avaliaram mal. A absolvição foi muito mais comprometedora à imagem do que seria a condenação.
https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2021/02/25/bolsonaro-exercito-palavra-oficial-editorial.htm

Quanto a Bolsonaro, ficou-lhe claro que sua carreira militar havia acabado e, talvez, o reconhecimento de sua própria inadequação a ela. Restava-lhe a política, contando com o apoio até então escuso e encabulado dos profissionais da Vila Militar.
Elegeu-se Vereador ainda no ano de 1988, na cidade do Rio de Janeiro.

( Continua em https://fregablog.blogspot.com/2022/08/de-proscrito-mito-parte-iii-o-limbo-1.html )