quinta-feira, junho 16, 2022

Ovo da Serpente Golpista

O viés golpista de nossas Forças Armadas difere em muito do golpismo padrão latino-americano.

Nosso golpismo não tem origem fundamentalmente caudilhista, como o da América espanhola. Nosso golpismo é elaborado, metido a intelectual, positivista, cheio de pudores, pretextos e trololós.
Nosso golpismo é supremacista, classista, elitista.

 As ideias de Comte encontraram terreno fértil na Guerra do Paraguai sob comando de Caxias, sem dúvida um militar estrategista, sucessor do caudilho Mitre.
Quando abandonou o teatro de operações, ainda que sem autorização do governo, a oficialidade aguerrida e, em boa parte, intelectualizada e já contaminada com idéias positivistas, ensaiou uma rebelião, aplacada pela ação pronta de Rio Branco e, posteriormente, com a indicação do Conde d'Eu para o comando do final da operação.

Em seu retorno para a Corte, a partir de 1870, sentiram-se desprestigiados - o nosso Ministro da Defesa atual também, olha a coincidência – pois perderam o protagonismo que tinham nos combates e voltaram a ser cidadãos comuns.
Isso, associado à crise econômica derivada dos custos da guerra, fermentou um desprezo pela democracia praticada pelo Imperador em seu regime parlamentarista de gabinetes e uma adesão às correntes republicanas. A doutrinação positivista e republicana na Praia Vermelha, coincidindo com o desaparecimento da primeira geração de militares, nos quais pode-se destacar os sobreviventes à guerra como Osório e o próprio Caxias, levou os militares, oficiais subalternos ou intermediários na guerra, agora já nos altos postos, a se sentirem em condição de enfrentar os governos.
Sentiam-se injustiçados e  desprestigiados por serem subordinados a políticos, a quem desprezavam e se sentiam superiores, pois estavam em cadeiras de veludo enquanto os militares morriam nos charcos e matas paraguaias.
Olha mais uma coincidência, se sentiam superiores.

O golpe republicano foi só o coroamento do ovo da serpente posto e chocado a partir de 1870. Há mais de 150 anos, gerações sucessivas de serpentes nos infelicitam pela cultura supremacista, com traços do positivismo político, mas sem os conceitos positivistas de parcimônia no uso dos recursos públicos.
Pegaram só a pior parte.

Uma mudança é necessária.
Ou muda a formação dos militares num processo profundo de revisionismo cultural,  fazendo-lhes entender sua função de servidores públicos com função específica, porém subordinados à sociedade civil, não tutores dela, ou acabe-se com o Brasil, por inviável.
Cada nação que crie seu próprio Estado a seu gosto e jeito.
Infelizmente, o gigante adormeceu à iniquidade vaidosa de seus filhos.