sábado, julho 02, 2022

Projeto 2035

Como sempre  em política, os óbvios não são confiáveis, as obviedades raramente

encerram-se em si, no mais das vezes atira-se no periquito pra acertar no papagaio, o alvo é outro do que parece.

As conclusões simplistas tendem somente a mascarar os objetivos reais, quase sempre os atos mais evidentes não passam de manobras diversionistas.
Bem ao gosto e jeito de estrategistas militares.

Pois bem. Vamos aos fatos.

O atual governo, ele por si só uma manobra diversionista pois os verdadeiros governantes são os marechais, acabou em redundante fracasso. Os marechais neoliberais geriram as agendas enquanto o seu fantoche divertia a plateia, ou a desviava do foco.
O Brasil dos marechais é um país exportador de commodities agrícolas e minerais. Não sei se chegaram a essa conclusão na ESG ou simplesmente ainda vivem os axiomas anacrônicos da chamada globalização, politicamente iniciada por Tatcher e Reagan.
O fato é que planejaram a implantação dessa agenda e, nesse planejamento, um ser até então execrado foi reconstruído como mito.
Contemporâneo de Aman e líder sindical ad hoc dos quartéis, era o político que precisavam para que assumissem o poder, pois o tempo dos golpes de gorilas findou-se. E disso eles sabem.
O jeito e forma dos golpes agora é outro.

Os marechais começaram a colher os frutos indesejados, os mesmos que fizeram a agenda neoliberal fracassar em todo o terceiro mundo que se arriscou a adotá-la. Estava ultrapassada, mas disso eles nem sabiam, pois vivem numa bolha e são absolutamente despreparados para a gestão pública, da mesma maneira que sua formação não contempla valores democráticos.
Seus fundamentos são a disciplina e hierarquia. Em política, os fundamentos são o diálogo e composição. Antagônicos portanto. Nem necessariamente se trata de má intenção, apenas dissonância cognitiva. Universos diferentes.
Estavam em vias de um desastre, o impedimento do fantoche.Fazia água na carga, o naufrágio do navio era iminente.
Delegaram o orçamento para o Centrão aproveitar-se dele à vontade, chafurdar e lambuzar-se, desde que garantisse a continuidade do governo e aprovação de suas táticas para preservação futura do poder.
O Centrão deitou e rolou na grana. R$ 16bi de emendas secretas, previstas R$ 19 bi para 2023 e impositivas. Querem garantia de execução, caso os marechais naufraguem nas urnas.

Acontece que os marechais não se incorporaram ao golpe conjunto em 2016 para abandonarem o campo de batalha em 2022.
Consta que têm planos delineados até 2035. Talvez até além, a politização foi plantada nas academias há mais de dez anos, há uma dezena de turmas de oficiais doutrinados politicamente como herdeiros naturais do poder político. Serão os generais da próxima década.
Hoje os coronéis já disputam com radicalismos e arbitrariedades, uma vaguinha no saco do Alto Comando, quem sabe até viram generais.
O futuro não é promissor.

A mudança de cenário, entretanto exigiu algumas correções de rumo.
Em primeiro lugar, o que era uma bandeira mentirosa, mas ainda assim alardeada como virtude, caiu por terra. O discurso de anticorrupção foi derretido e hoje já há a consciência de que vivemos sob o governo mais corrupto de nossa história.

Enquanto se limitava aos peculatos familiares, à blindagem dos projetinhos de bandido, mordidas pequenas, uma mansão cá, um carro acolá, a PGR garantia a impunidade, também a PF e  Abin, e a imprensa a desinformação.
Mas acontece que o Centrão escrachou na ladroagem. Se não faturaram em grana, sei lá o quanto que não, ao menos os marechais perderam o discurso.
E a eleição, ao que tudo indica.

Qual o plano alternativo?
Analisando os fatos:

O nome que ainda têm com apelo popular no segmento mais reacionário e no afim com o pensamento neoliberal continua sendo o do mito fajuto e falastrão que criaram: Bolsonaro. Não há tempo hábil para arrumar outro. Até houve tentativas fracassadas.
O discurso de fragilidade nas urnas não está colando, nem aqui, nem no mundo.
Se colasse, bem que tentaram,  tudo estaria resolvido, eleição anulada por fraude, nova eleição no papel, os velhos, arcaicos e fraudados mapas de votação e manteriam o poder.
A fraude com aparente moralidade amparada por armas torna-se incontestável.

Mas esse plano Dick Vigarista, olha só que curioso, não está dando certo.  O STF se enxergou como a próxima vítima, jogou contra. E a última palavra institucional é dele, deu chabu nos mísseis teleguiados dos marechais. Viraram estalinhos.
Só o caos pode salvar-lhes.
Fiat chaos, talvez dissesse Nero. Ou um Calígula quatro estrelas. Mas nem estrelas usavam, diferente dos atuais.

Crie-se então o caos de gestão.
Já foram mais de R$ 380 bi em fura teto orçamentário por meio de PEC. Isso significa criação de despesas correntes sem receita, gasto por conta do cheque especial. Esse rombo orçamentário tende a criar um descontrole semelhante ao dos últimos anos do governo Figueiredo, hiperinflação, desorganização das cadeias produtivas e de consumo, subordinação política aos mecanismos internacionais de financiamento público etc.
O governo está conseguindo descaracterizar e transformar a Constituição da República Federativa do Brasil em uma constituição do governo.

Na PEC 16, votada ontem no Senado, arromba-se o cofre num pacote de bondades fictícias.
R$ 1 mil para caminhoneiros significa o diesel de um dia de viagem. Se tanto.
Nada individualmente, mas muito em grana total. 

R$ 200 para aumento do Bolsa Família, com apelido novo, é menos do que o aumento da cesta básica o período. Não à toa que 15% da população passa fome e 50% vive em insegurança alimentar. Com viés de alta.
Um bujão de gás a cada dois meses pra quem nem sequer tem bem o que cozinhar.
Auxílio a taxistas, subsídio a passe de ônibus a idosos etc, medidas de maquiagem, todas elas, somente para gerar notícia positiva.

E com caráter eleitoral escrachado, divulga a imprensa, gritam em tribunas, analisam colunistas. Faz-se realidade do oculto, do disfarce. Valem as medidas até dezembro e acabam.
Sim, isso viola a legislação eleitoral, agride ao teto fiscal, é acima de tudo imoral.
Têm a expectativa os marechais de que essas bondades revertam o quadro de rejeição popular? Talvez só alguns alienados e outros crédulos tenham. Não muitos e nem os espertos.
Aí está o pulo do gato, a intenção disfarçada. Essas PEC não estão acontecendo por bondade e nem pra ganhar eleição.
Como também vazamentos de possíveis declarações de abortar as eleições de outubro, como as proferidas por Braga Neto na Firjan, são mero disfarce. Eles querem sim a eleição, já prepararam o cenário para se manter no poder independentemente do resultado.
Os marechais e seus capangas do Centrão.
O objetivo oculto é outro.

A grande jogada tática, criar o caos em 2023.
Os marechais impuseram o nome de um deles, o mais atuante e de maior liderança, como Vice-Presidente da chapa. Costa e Silva impôs seu nome em 1966, alguma semelhança?
Na remota hipótese de ganharem nas urnas, simplesmente basta promover o impedimento do fantoche miliciano e corrupto, sem noção e agente provocador já desmascarado, mala sem alça muito pesada para ficarem carregando, e assumirem o governo diretamente por seu líder.
Braga Netto substitui Bolsonaro com o impedimento comprado em seis meses do segundo mandato. Isso se a opção não for simplesmente de afastá-lo, nos termos da Constituição, por estar sofrendo processo criminal no STF autorizado pela Câmara.
Ele e suas crias comprometedoras.
O Centrão, ganhando bem, faz qualquer negócio.
Sem traumas.
Mas não é o cenário mais provável.

A eleição de Lula, salvo algum acidente de percurso que, no fundo, não lhes interessa pelas suspeitas que levantaria, parece favas contadas. Ainda que escorregue para um segundo turno.
Que país Lula encontrará? Destruído.
Com que orçamento governará? Totalmente comprometido.
E o apoio popular? Derreterá rapidamente.
Tanto pelo fim do pacote de bondades, pelo realinhamento dos preços dos combustíveis ao PPI (inevitável no primeiro momento), fim da redução do ICMS, do rombo fiscal que levará a inflação à estratosfera, da estagnação econômica, do aumento da fome, miséria, do cerceamento pelo Congresso majoritariamente do Centrão, que será eleito e estará fazendo o jogo da cumplicidade com os marechais, agora na oposição, salvo se o preço ofertado for ainda maior, o que não acredito que seja possível.
A imprensa abrindo todos os espaços e críticas, a opinião pública se revolta.
Lula perde seu capital político, o caos gerará o clamor nas ruas por salvadores.
A esperança frustrada é sempre mais violenta do que a simples desesperança. O amor transforma-se em ódio em intensidade ainda maior, passa a a ser visto como traidor, não como opositor.
O Congresso reunido em emergência, pressionado pelas ruas decepcionadas, revoltadas incentivadas pela imprensa cúmplice majoritariamente dos marechais, chamará uma GLO para controlar a violência das milícias armadas, muito bem armadas por sinal, contra opositores, e do furdunço da convulsão social.
E votam o impedimento do presidente e renúncia do vice, com direito a todas forçações de barra já experimentadas no impedimento de Dilma.
Ou ajustam com os tribunais a anulação das eleições por algum pretexto.
Votam rapidamente uma PEC para um governo provisório face à situação de emergência e convulsão institucional.

Retornam os marechais, agora como salvadores do caos que criaram, reprimem com violência os protestos comunistas – sempre serão comunistas os protestos – promovem um arrocho geral nas contas públicas a ferro e fogo, a imprensa, a começar pelo Estadão, seu porta-voz oficial, e a Globo, sempre amiga do poder, a tecer loas à ordem e reconstrução nacional, habilmente conduzida – por quem? 
Braga Neto? Quem afirmará que não?
E novas eleições parlamentares são convocadas com poder constituinte centrado numa agenda neoliberal.
É ou não um plano bem montado? E tudo dentro da lei.
Legalidade e moralidade não são sinônimas. Não estão nem aí, continuam achando que na ultima ratio regis reges sunt.

O Brasil... ah, o Brasil. Não será em meu tempo que lhe verei como sonhei.
Talvez até nunca chegue a ser.