O Brasil na Amazônia
A execução de Bruno e Dom, embora praticamente anônimos para o grande público tornaram-se tristemente íntimos de todos nós em solidariedade e comoção, está longe de ser um fato isolado nos rincões e muito menos na Amazônia.
Certo
está D Leonardo Cardeal, só tomamos conhecimento porque havia um estrangeiro e
seu governo se manifestou. Não fosse isso, talvez nem a imprensa desse espaço e
cobertura tanta, seria apenas mais uma execução, evidentemente favorecida pela
política anacrônica e até criminosa dos marechais que nos desgovernam para a
Amazônia. Destruição por atividades clandestinas, abandono da política de
proteção aos indígenas e respectivas reservas.
Revivem os marechais ainda os ecos das palavras de ordem da década de 70,
Integrar para não Entregar, o que propiciou a ampliação das fronteiras
agrícolas mediante uma destruição inaudita do bioma sul da Amazônia, da
transição para o Cerrado. Um horror, inadmissível hoje, porém os marechais
ainda vivem no mundo de antes.
O
fato concreto é que esse conjunto de fatores precisa ser repensado, não é mais
suportável que mais da metade do território nacional seja simplesmente uma
terra sem lei, sem Estado, formalmente brasileira, de fato abrigo para toda
sorte de bandidagem nas áreas mais remotas.
Ou o Brasil assume sua Amazônia, ou abre mão dela. Não há mais meio termo. Como
também o abrir mão não é uma hipótese aceitável, resta-nos assumir e cuidar
dela.
Expressa
nossa Constituição:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a
Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são
patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro
de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao
uso dos recursos naturais. (negrito meu)
Vou além. A Amazônia, majoritariamente incorporada ao território nacional, é também
patrimônio imaterial da humanidade, por sua importância e impacto no ambiente
mundial, o que nos acumula a dupla responsabilidade em seu cuidado. Tanto por
ser patrimônio material brasileiro, como por ser patrimônio imaterial da humanidade,
do qual somos guardiões. Será que estamos realmente consciente dessas
responsabilidades?
O descaso e abandono, adotados como
política oficial do atual governo, me sinaliza que não. E aí entra a execução
desses dois martirizados. A Polícia federal declarou que os assassinos
confessaram a execução. A eles cabe a responsabilidade subjetiva e espero que
sejam exemplarmente punidos, na forma da lei, a mesma que eles desprezam.
Mas não se pode esquecer que cabe ao Estado a responsabilidade objetiva pelas
execuções. Ou não compete à União as ações preventivas e repressivas para
garantir o patrimônio nacional?
E aí cabem duas observações.
A primeira a alegação de se tratarem
de reservas indígenas, configuradas no art 231 da Constituição. Transcrevo:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo
das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos,
incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais
em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso
Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação
nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são
inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto
no art. 174, § 3º e § 4º.
Transcrevo o art 174 e os parágrafos
pertinentes:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da
atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de
fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor
público e indicativo para o setor privado.
§ 3º O
Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas,
levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos
garimpeiros.
§ 4º As
cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na
autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de
minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de
acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.
Como assim
então o Estado pode fechar os olhos às invasões de terras de reservas indígenas
por garimpeiros? Mais do que fechar os olhos, incentivar essa atividade
inconstitucional?
Quando o Estado apóia o crime, sua responsabilidade objetiva exige a responsabilização
subjetiva também dos agentes que permitem a inconstitucionalidade. E pior
ainda, quando quem deveria reprimir simplesmente se omite, quando persegue
funcionalmente a quem se dispõe a cumprir a lei. Caso do Bruno, o executado,
afastado da Funai exatamente por isso.
Só isso já seria motivo para indiciar o Presidente da República, o Ministro da Justiça,
o da Defesa, os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica e o Comandante Militar da Amazônia. Tanto por crime de
responsabilidade, nos termos da lei 1079, como por responsabilidade na recente
execução do Bruno e Dom.
Constituição Federal,
Art. 20. São bens da União:
II - as terras devolutas
indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções
militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental,
definidas em lei;
III - os lagos, rios e
quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de
um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território
estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias
fluviais;
E a quem
cabe a responsabilidade de sua defesa?
Dispõe sobre as normas gerais para a organização,
o preparo e o emprego das Forças Armadas. |
Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras
ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as
competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações
preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas
interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de
qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e
ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder
Executivo, executando, dentre outras, as ações de
I
- patrulhamento
II - revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves;
e
III - prisões em flagrante delito. (negrito meu)
E aí
chegamos no ponto. É hora de começarmos a entender o papel das Forças Armadas numa
realidade que se modificou em absoluto nos últimos 50 anos.
Qual a necessidade do Brasil a ser atendida por essa instituição permanente de Estado?
Olhar suas atribuições com o ambiente e cenário do século passado, pra mim,
representa enorme desperdício. De capacidades, de recursos, de oportunidades.
Já em sua
declaração de princípios na refundação do Brasil em 1988, em seu art 4°, faz a
opção pela igualdade entre os estados, pela defesa da paz e pela solução
pacífica dos conflitos. Há o propósito explícito de não tomar a iniciativa de
conflitos. Bastante apropriada, portanto, a denominação de Ministério da defesa
para o comando das Forças.
O que se
põe é que tipo de defesa, qual sua qualificação, contra que ameaças, em quais
cenários.
A que ordem de conflitos armados nossa capacidade de defesa é eficaz, a que
ordem, não. Quais defesas não armadas, preventivas de rupturas podem ser
planificadas e executadas, eis a questão fundamental a ser discutida pela
sociedade.
https://fregablog.blogspot.com/2020/07/poder-militar.html
A
perspectiva de conflito bélico é bastante reduzida, seja pela integração, seja
pela assimetria de poder nacional entre o Brasil e seus vizinhos.
É hora de
voltarem-se os olhos para a última fronteira, a mais despovoada, a Amazônia.
Nesse
particular, as Forças Armadas agigantam-se em seu papel institucional.
Não há mais necessidade de guarnições do Exército nas outras regiões, mas as há
na Amazônia.
Todo o território deve ser coberto por guarnições, não nas cidades, mas nas
áreas isoladas, de forma a que não haja distância superior a 300 km entre uma
guarnição e outra. Pequenas unidades, talvez no nível de Companhia isolada. Que
os esforços sejam dedicados à sua construção, com habitação e infraestrutura
adequada para as tropas e famílias, se for o caso.
Que os Colégios Militares sejam transferidos para a região, possibilitando o
atendimento aos filhos dos militares transferidos. Em regime de internato, se
for o caso.
As unidades do Exército remanescentes nas outras regiões podem ser reduzidas a
Armas incompatíveis ou inadequadas à operação em selva. Por outro lado, toda a
aviação do Exército deveria ser lotada na Amazônia, proporcionando o suporte
necessário às unidades isoladas.Da mesma
forma, Deveriam ser transferidas unidades da Marinha em quantidade compatível
com o patrulhamento dos rios. Também todo o efetivo operacional de Fuzileiros
Navais para ocupação e repressão ao tráfico e demais atividades ilegais,
inclusive garimpos irregulares.
Da mesma forma, órgãos como Funai e Ibama deveriam ter suas presenças
fortalecidas na Amazônia, atualmente a região de maior demanda.
A não ser que estejamos realmente dispostos a perdê-la.
E o Brasil prescinde de Forças Armadas que se dediquem mais a golpes e conspiratas, a coquetéis e ameaças, a políticas e conchavos do que à sua defesa. Se for pra isso, melhor não tê-las.
Fica aberto o debate.
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