domingo, agosto 21, 2022

De Proscrito a Mito Parte I – O Resgate da História 1

Em novembro de 2014, na formatura de novos oficiais na AMAN, ocorreu um fato aterrador pelo seu simbolismo. Digno de comparação com o surgimento dos regimes fascistóides que ensanguentaram a Europa no Séc XX.

Mas a história não começa por aí e as figuras centrais desse ato escatológico vêm de longe. O ovo da serpente surgido no final do Séc XIX eclodiu e deu crias sucessivas, cada uma com sua forma, todas com a mesma natureza.
O fato concreto e até hoje ocultado e disfarçado pelos historiadores é que, em 1869, Caxias desertou do teatro de operações no Paraguai.

Após a campanha vitoriosa e digna do grande estrategista iniciada no Piquissiri e concluída em Itá-Ibaté, conhecida como Dezembrada, Caxias após ocupar Assunção em jan/1869, evidentemente com a saúde desgastada pela idade e agruras da campanha, simplesmente transmitiu o comando das armas e embarcou para o Rio de Janeiro sem aguardar autorização para tal.
Isso chama-se sim deserção, abandono por decisão própria e não autorizado da missão. Não é por ter sido um herói nacional que o fato não deve ser reconhecido.

Mas não fica por aí, antes de embarcar ainda fez algumas declarações insubordinadas, no sentido de que não era capitão de mato para perseguir fugitivos, que entendia ter a guerra acabado, em oposição até ao tratado internacional da Tríplice Aliança, numa posição política inaceitável a um Comandante de Armas em operação.
Deixou suspeitas de que permitiu a fuga do tirano López com um piquete de poucos homens à vista das tropas brasileiras, de acordo com o inimigo em troca da vida do Cap. Cunha Mattos, então prisioneiro de López, talvez por uma possível ligação de amizade familiar. E que essa deserção possa a ter alguma coisa a ver com isso.
Tudo isso é história, Caxias não é o objeto deste escrito, mas apenas o reflexo de sua atitude.

A decisão política de Caxias abriu espaço para que a oficialidade brasileira, na Assunção ocupada, passasse a discutir também a condução política da guerra e considerar o abandono do teatro das operações.
Alguns passaram ousaram acusar o Imperador de fazer essa guerra com objetivos pessoais, a contestar as decisões do Gabinete, até a fazer brindes à República. Não fosse a pronta intervenção do Visconde de Rio Branco talvez a situação degringolasse de vez.
A designação do Conde d’Eu para o comando geral das armas e a substituição de alguns oficiais, além do retorno de Osório, líder inconteste e que estava afastado para tratamento de saúde por ferimentos recebidos em combate, ainda que não totalmente com a saúde recuperada, acalmou o ambiente e a guerra teve seu fim em pouco mais de um ano após a saída de Caxias,.atendidas as condições acordadas pela Tríplice Aliança,
No entanto, o ovo da serpente, derivado da espúria mistura das forças armadas nacionais imiscuindo-se na política em seu nível mais alto, estava posto.

Em especial os oficiais inferiores, capitães e tenentes, perfilharam-se às teses positivistas de Auguste Comte. Os governantes deveriam ser os mais capazes, pois a população sempre tenderia a escolher líderes medíocres e demagogos, conforme seu próprio meio.
Transpondo, o sistema dinástico se contrapunha ao governo pelos mais capazes, pois não necessariamente a capacidade seria hereditária.
E na hora de oferecer sacrifícios, esses caiam nos ombros dos militares, que se entendiam mais capazes. Então, por que não também na condução do Estado, a tese não seria a mesma?
Seria razoável que os governantes, assim, fossem escolhidos dentre os mais capazes e, com a autoestima superlativamente autoavaliada, os mais capazes seriam eles, comprovadamente testados nos campos de batalha.
Repare-se na origem da distorção.

Finda a guerra e com o retorno das tropas remanescentes, estas foram simplesmente reincorporadas à sociedade de então. As distinções viraram passado. Vaidades foram feridas. O Positivismo associado ao modelo republicano passou a ser pregado nos bancos escolares da Praia Vermelha, novas gerações de oficiais formaram-se mais do que republicanos, antimonarquistas.
A geração dos comandantes no Paraguai, geração de Caxias, Osório, Porto Alegre, Tamandaré, já em fim de vida, muitos deles falecidos. Os novos comandantes, vejam só, eram os oficiais da geração dos insubordinados em Assunção.
De capitães até alguns coronéis de então, a generais e marechais da década de 1880.
Além das novas gerações de oficiais, doutrinadas por Benjamin Constant e seus pares, convictamente positivistas e republicanos.
Assumiram o comando político em 1889. Por muito pouco não fuzilaram D. Pedro II e toda família imperial, acabaram por expulsá-los com as roupas do corpo e com o saquinho de areia de Copacabana que lhe serviu de travesseiro no esquife.
Assumiram o comando e até hoje relutam largá-lo.

Imagem Interna Pátio Ten. Moura - AMAN

Dito isso, pode-se correlacionar o evento da formatura na AMAN* em 2014 aos cadetes da Praia Vermelha?

 Assistamos e formemos nossas conclusões.

https://youtu.be/MW8ME9S87SI

(continua em https://fregablog.blogspot.com/2022/08/de-proscrito-mito-parte-i-o-resgate-da_28.html)
 

 
* Escolas Militares no Brasil depois da Independência:
1822 – Imperial Academia Militar
1832 – Academia Militar da Corte
1858 – Escola Central
1874 – Escola Militar da Preia Vermelha, fechada em 1904 em consequência da adesão dos cadetes à Revolta da Vacina.
1913 – Escola Militar do Realengo, centralizando a formação de todas Escolas de Guerra (das Armas) e de Aplicação (Serviços)
1944 – Escola Militar de Rezende, com denominação de Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN, em 1951