Dois Brasis
O Brasil é um ente complexo, composto, diverso. Um Estado plurinacional em que as afinidades centrípetas são poucas, mas fortes. Parece não divergir significativamente dos demais Estados gigantes em território e população.
Temos uma raiz de língua comum, isso é fato.
Minha pátria é minha língua,
adaptou Caetano. Minha Pátria é a língua portuguesa, definiu Bernardo Soares,
uma das múltiplas personalidades heteronômicas de Pessôa.
Temos uma raiz comum de língua, não exatamente a mesma, há palavras e
palavreados nacionais distintos, ditos regionalismos. Mas o que são nações se
não regiões que se unem nas diferenças com as outras?
Como um quebra-mar construído com arenito, pouco a pouco vão se esboroando os
laços comuns, a regionalização dos destinos é em tudo consistente com o novo
mundo de fronteiras frágeis que se desenha. Um mundo sem espaços vazios.
Ontem tivemos eleições gerais. Sem surpresas, exceto de que o modelo de dois
turnos foi antecipado em um turno. O primeiro também foi segundo.
Como assim?
Ontem dois brasis se disputaram, que não haja ilusão. A cisão é bastante clara,
talvez ainda com fronteiras flutuantes, como é comum que aconteça.
Mas afinal, que Brasil queremos? Essa pergunta absolutamente retórica traz em
si a premissa falsa. Há pelo menos dois brasis que queremos.
Há um Brasil alinhado com o internacionalismo liberal. Há um Brasil alinhado
com um Estado nacional. Há um país das privatizações, um do Estado forte e indutor,
um inclusivo, outro excludente, solidário e egoísta, democrático e autoritário,
humanista e escravagista.
Pô, não está exagerando?
Digo que não, os brasis se delineiam cada vez mais claramente. Um não vencerá o
outro, porém serão mais e mais antagônicos no andar da carruagem.
E o que isso tem a ver com a eleição de ontem?
É olhar o mapa elaborado pelo portal UOL e ver o que não está escrito. Trata da distribuição em arcos, excetuando Roraima, uma ilha e com condições socioculturais muito específicas.
Não é por acaso que o arco norte-nordeste, majoritariamente alinhado à social democracia, ao Estado atuante e presente, seja também a região mais carente, a com maior necessidade. Há aspectos culturais muito presentes e diversos entre a carência e a abundância.
A pobreza é solidária, divide o pouco, é sobrevivente grupal.
A riqueza é egoísta, não se divide, é também sobrevivente pessoal. É só entrar na casa de pobre e ver se não há uma oferta , é só ver que todo pobre, antes de almoçar até a marmita pouca que trouxe de casa, convida para repartir o pouco. São constatações da diversidade.
A escolha do presidente da república, como executivo maior e
direcionador das políticas públicas, também reflete essa diferença
postural. Sim, o Estado presente obteve
uma expressiva maioria, uma diferença entre os dois primeiros colocados superior
a 10% dos votos registrados. Não é pouco não, são pouco mais de 5 milhões de
votos.
Mas e daí?
Bem, vem um segundo turno em que novamente a população será chamada à escolha
agora dicotômica, sem coadjuvantes. Pra valer, já foi dicotômica no primeiro
turno e a migração de votos úteis concentrados no segundo colocado, tudo isso
na reta final, sinaliza claramente a vontade de impedir que a decisão fosse
referendada antecipadamente.
Essa manifestação dá o tom para o que nos espera no dia 30. É uma escolha fácil
para quem já escolheu. Difícil para quem ainda não, de fato uma minoria.
Trazemos em nós os traços de nossa formação nacional. As
Cortes, quando colônia, o império no primeiro meio século, pouco mais, de nossa
independência, a ditadura oligárquica daí em diante, com alguns intervalos democráticos,
mas não necessariamente não oligárquicos também.
Não somos uma democracia com ditaduras acidentais, somos uma ditadura com
acidentes democráticos. O último durou 30 anos e agora se discute realmente se
deverá ser prorrogado ou não.
Essa e a verdadeira escolha que está a se fazer. Ou que, na verdade, já foi
feita.
Sim, porque a essência de uma democracia é seu Congresso. Nele é que o
direcionamento público é fermentado.
E a escolha foi pelo reacionarismo pelo arbítrio, pelo desrespeito às minorias,
pelo desprezo a valores constitucionais humanistas, pelo Estado
assistencialista, não de assistência social.
A opção foi oligárquica em seu sentido mais amplo.
As bancadas somadas de todos os partidos da esquerda à centro esquerda é 20%
menor do que a soma dos dois principais partidos de direita e extrema direita. E
isso sem contar os de Centro, que naturalmente alinham-se com a direita.
Uma lavada. Em parte pela baixa politização popular, que vota em nomes, não em
programas ou plataformas. Em parte porque, parafraseando Nabuco, o autoritarismo
e arbítrio permanecerão por muito tempo como traços da cultura nacional.
Os militares são oligárquicos e continuarão a dar as cores
dos rumos futuros, que não haja ilusão a respeito. Quando tipos como Pazuello, Mourão
e o astronauta são escolhidos como representantes e com majoritárias votações,
não se pode deixar isso à conta de acaso.
Essa foi a escolha que, discorde-se ou não individualmente, precisa ser
respeitada coletivamente.
E com a escolha dos Congressistas alinhados à oligarquia supremacista,
ao capital e não ao social, ainda assim importa a escolha antagônica do
presidente da República?
Sim, importa.
Não mais pelo que possa realizar, seu espaço é pouco e a oposição será muita,
majoritária. Mas pelo que pode impedir.
Poderá impedir a aniquilação do judiciário como Poder igualitário e
independente, como imaginado por Aristóteles e sistematizado por Locke e
Montesquieu.
Poderá impedir o fim do respeito à diversidade e minorias. Poderá impedir a
demolição e internacionalização das riquezas nacionais. Poderá impedir o fim
das políticas públicas inclusivas, as de saúde e educação públicas.
Porque o presidente, se não terá o poder de realizar, manterá ainda assim o
poder de vetar.
De qualquer forma, e isso era previsto, ocorrerá um segundo
turno, pela primeira vez com a roupagem de referendo sobre o primeiro. É uma
nova eleição. Seu resultado é imprevisível.
Independente do resultado, será mais uma cunha cravada para reconhecimento dos
dois brasil que se desenham cada vez mais nitidamente.
2 Comments:
É isso aí, Mr. Frega. O que estava trincado rachou, dividiu ainda mais. É possível costurar, prender as partes com bom barbante.Esperar que a resina natural solde de novo. Não sei se é esperança vã. Pode funcionar. Depende so segundo turno. Se não der, será um "deus nos acuda".
É isso mesmo. Rachou o que trincado estava, o barbante não segurou. Superbonder, talvez no segundo turno, um remendo mais duradouro.
Mas só talvez..
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