sábado, setembro 03, 2022

Brasil Fundamentalista

O golpe militar republicano de 1889, a par das traições abjetas, da ingratidão cínica, da desorganização nacional e do afloramento dos piores instintos de selvageria e desrespeito, trouxe um avanço essencial. Aboliu a figura da religião oficial, a promiscuidade entre valores públicos e privados. Foi um passo civilizatório, sem qualquer sombra de dúvida, especialmente se comparado com alguns países que ainda hoje colocam os princípios religiosos como balizamento político.

Mais comum atualmente em países com maioria islâmica. Radicais em maior ou menor escala, convivendo com tribunais religiosos a par dos civis. Uma barafunda opressora a minorias.
Não diferente das práticas cristãs da Idade Média histórica e até da Moderna, fechada com a Revolução Francesa representando a primeira grande segregação entre Estado e Igreja.

Tenho eu insistido: quem não conhece o passado, não entende o presente, não projeta o futuro.
Não estamos na treva atual por acaso, disso tenham certeza.
Embora a Constituição de 1891 tenha abolido o Estado Confessional, chegando a ponto de retirar dos currículos escolares o ensino religioso, isso não significou o fim da influência da religião na política. Em momento algum da jornada humana na Terra a religião deixou de ser instrumento de dominação. Ou de instrumento de poder temporal. 

É fato perceptível ser a carolice endêmica em todas as regiões colonizadas.
Ex-colônias foram submetidas mais fortemente ao domínio religioso como instrumento para submissão, conformismo, medo e até pura e simples punição. Nem os Estados Unidos, uma das primeiras colônias a se tornar independente, escapou dessa sina. Poucos países têm a religião tão entranhada no cotidiano da sociedade como lá.

Leio hoje que o Datafolha apurou que mais da metade de nossa população entende que política deve andar de mãos dadas com valores religiosos e que os tais valores fsamiliares são mais importantes do que a própria Economia.

O Talibanistão Tupiniquim  mostra sua cara. Nem vou entrar no mérito se bonita ou feia, pra mim horrorosa.
Mas olhem que interessante. Os que se dizem ateus ou sem religião formam um contingente de 15% da população. Sobram, portanto, 85% com alguma religião. Desses, sessenta pontos percentuais, ou mais de 70% do segmento que declara professar alguma religião, consideram mais importante a obediência a crenças religiosas do que a própria gestão pública.
Trata-se da esmagadora maioria.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/09/datafolha-56-dizem-que-politica-e-valores-religiosos-devem-andar-juntos.shtml

É aterrador, especialmente pelo fato de crença religiosa ser individual, não há e nem pode haver consenso. Nem sequer o grande Papa Francisco, um humanista líder de uma gigantesca corporação hierarquizada, partilha os mesmos valores com todos seus liderados. Há dissidências. Até seu antecessor possui visões diferentes para as práticas cristãs. Os rótulos religiosos são os mesmos, as práticas não.
Um dos valores cristãos é o respeito à vida. Alguém nega isso?
Uma das práticas de grupos cristãos é fazer arminha com o dedo para sinalizar seu

dedo nervoso em fazer da arma um uso político. Alguém nega isso?
Um dos valores cristãos é o amor ao próximo.
Uma das práticas de grupos cristãs é discriminar o próximo por homofobia.
Como negar esse conflito?

Confesso, fiquei aterrorizado com a perspectiva de estarmos caminhando celeremente para um Brasil movido pela religião. Um Brasil intolerante com a diversidade, um Brasil de marchas-para-Jesus, mas de fato no caminho do inferno social.
Um Brasil de Malafaias ao pastor semianalfabeto da esquina. Vociferantes, ignorantes, fundamentalistas.
Retratos de um Brasil tóxico.
Quero não!