Sinuca de Bico
A recente manobra no Senado, com o voto em separado na resolução que
aprovou o impedimento foi um golpe de mestre e trouxe inapelavelmente o STF
para o centro do golpe.
Em política, quase tudo o que se vê não é, os óbvios não fazem parte da
trama. O que, aparentemente, seria um benefício à Dilma, por remorso ou dó, na
realidade esconde uma manobra muito mais elaborada.
A Constituição determina duas penas distintas para crimes de
responsabilidade do Presidente: cassação do mandato e perda dos direitos
políticos por 8 anos. O entendimento majoritário é que devem ser aplicadas
conjuntamente pelos julgadores. Parece óbvio, mas não é tanto assim.
Por outro
lado, o Regimento do Senado determina que pode haver votação em separado em
Resoluções, desde que requerido. A sentença é uma resolução.
No impedimento de Collor, sua pena prática ficou restrita à perda dos
direitos políticos por 8 anos, dado que havia renunciado previamente. Temos,
então, um caso de distinção das duas penalidades. Já deixou de ser uma e
indivisível, portanto.
Não fosse assim, não poderia ser aplicada a cassação
sobre objeto inexistente, o mandato, invalidando, portanto, a aplicação nos direitos
políticos. O acessório acompanha o principal, máxima do direito.
Sendo então duas penalidades autônomas, cabe sim o voto em separado.
Imbróglios à parte, qual a razão da manobra então?
Dilma, mantendo os direitos políticos, abre não um precedente, mas um
pretexto para embaralhar ainda mais a pouco provável cassação de Cunha.
A Câmara corre o risco de desmoralização extrema deixar passar em branco o episódio. E é um risco político enorme puni-lo com cassação e perda dos direitos políticos, alijando-o da vida pública.
A Câmara corre o risco de desmoralização extrema deixar passar em branco o episódio. E é um risco político enorme puni-lo com cassação e perda dos direitos políticos, alijando-o da vida pública.
Pois bem, abre-se agora a possibilidade
de aplicar uma dosimetria. Como, por exemplo, cassar seu mandato,
justificando-se perante à sociedade, mas fechar-lhe o bico ao preservar-lhe o direito de retornar em
2018, onde certamente será eleito pela população do Rio de Janeiro.
É uma face da questão. Mas não a única.
Dilma adquiriu uma densidade política enorme, por ter enfrentado de
cabeça erguida os senadores durante 14 horas a fio. Sabia antecipadamente do
veredito, mas colheu uma imagem de coragem e honestidade perante uma quadrilha
que restou moralmente desqualificada. Adquiriu espaço próprio e liderança
popular.
Porém, essa força não será utilizada no PT, partido aliás que lhe fez
oposição nos bastidores pelos dois mandatos, embora posasse de seu aliado. Será
em outro partido.
O PDT, talvez, com Ciro Gomes. Ou um novo partido que
aglutine as personalidades que brigaram vigorosamente contra o golpe (não
necessariamente por Dilma), nelas incluídas algumas do próprio PT, PDT, PCdoB e
dissidentes da Rede e até do PMDB. Nesse quadro, o PT ficará reduzido à sua
densidade atual, extremamente desgastado e quase que inviável eleitoralmente.
Sua mudança para o Rio de Janeiro sinaliza que lá poderá ser o quartel
general desse movimento. Dilma disputaria uma cadeira no Senado com muitas
possibilidades de vitória, além de emprestar sua força e palanque à chapa
presidencial, hipoteticamente composta por Ciro e Lula, este na posição de
vice, sendo o PT coligado.
É inegável a viabilidade eleitoral dessa chapa.
Esses dois fatores teriam propiciado essa articulação do voto em
separado. Articulação de um gênio da política, chamado Luis Inácio.
Sobrou no pedaço somente o trambolho chamado Temer. Vamos a ele.
O PSDB e o PMDB, como forças principais de uma coligação de partidos de
aluguel, com destaque para o PPS e DEM em cada lado, são somente aliados de
ocasião e inimigos cordiais fora dela. Foi essa coligação que viabilizou o
impedimento. Pra valer, Temer sequer poderia ser diplomado presidente por sua
condição de Ficha-Suja (art 15 da lei e jurisprudência do STF).
O PSDB aposta em seu agente Gilmar para a cassação pelo TSE, em 2017, da chapa vencedora na eleição de 2014, Dilma e
Temer. No caso agora, só a de Temer, matando a manobra peemedebista de tentar
desvincular as duas candidaturas.
Em 2017 a eleição seria indireta e nada
difícil eleger FHC para o mandato tampão. Isso potencializaria uma candidatura
peessedebista viável em 2018, tanto pela capacidade de articulação como pelo
domínio da máquina orçamentária.
Lembrando que o PSDB foi um dos maiores
apoiadores da aprovação recente da DRU elevada para 20%. Não foi para facilitar
a vida do golpista, mas sim de olho em 2017 em causa própria. Ao PSDB interessa
muito as manifestações de Fora Temer, pavimenta suas ações para 2017. Irá
fomentá-las veladamente.
Já o PMDB aposta em seu agente Moro com sua Lava-Jato. As recentes
denúncias contra tucanos emplumados, habilmente bloqueadas por ações
gilmarianas, inserem-se perfeitamente nesse contexto. Temer financiará a mídia
para se contrapor à manobra de Gilmar e queimar o filme da ala corrupta do
PSDB, notadamente seus dirigentes. Ninguém se assuste se o próprio Gilmar sair
chamuscado nas delações.
Para o PMDB, as movimentações populares não lhe
interessam. Irá reprimir na forma possível, correndo o risco de desembocar numa
guerra civil, o que justificaria medidas emergenciais. Quando se vê figuras
soturnas tipo Lex Luthor e Etchegoyen no comando da repressão, percebe-se até
onde estão dispostos a chegar.
A PGR, terceiro elemento, pisa lá e cá, estapeia e afaga, em jogo dúbio.
Ninguém gosta disso e, como parte mais fraca, pois depende do judiciário para dar
andamento a seus atos, será engolido na fogueira das vaidades.
Pois bem, ao que interessa.
Nesse quadro digno do Butantã, cai no colo do STF decidir sobre a
constitucionalidade do voto em separado, bem como sobre o crime de
responsabilidade alegado. Este último, ele poderia empurrar para as calendas, decidir
quando não teria efeito prático algum. Mas não sobre o primeiro.
O não decidir implica na decisão de validar a manobra do voto em
separado, com todas as consequências descritas acima. Tem o mesmo efeito de uma
decisão de constitucionalidade do ato, considerando ser o julgamento político
com fundamento jurídico, nada impedindo que o Senado, órgão político, adote
dosimetria própria.
Decidir contrariamente, ou seja, julgar que a manobra foi inconstitucional,
implica necessariamente numa nova votação do impedimento no Senado, pois que a
votação que aconteceu restringiu-se à cassação do mandato exclusivamente.
Acontece que não dá mais tempo para fazer tudo de novo. Dia 16 do mês que vem,
outubro, esgotam-se os 180 dias constitucionais para o julgamento, provocando a
decadência da acusação e a reassunção de Dilma.
Em período eleitoral, com todos
os recursos e chicanas possíveis, muito dificilmente esse prazo não se
esgotará.
Além disso, seria o reconhecimento de que o julgamento não é político, o
que reforçaria a necessidade de manifestação sobre a existência prévia do fato
jurídico do crime de responsabilidade. E isso é terreno hiperpantanoso.
Não há qualquer dúvida de que Temer cairá de podre. A questão é quando.
A convulsão social que já se ensaia nas ruas vai cortar o oxigênio
golpista. Talvez tenha uma sobrevida de um mês ou dois.
A ala bandida do PMDB
tentará esticar ao máximo, a do PT, antecipá-la desde que se sinta forte o
suficiente para uma disputa eleitoral agora. Caso contrário, apoiará o PSDB na
procrastinação para 2017 e, lá se aliará (mesóclises não são comigo) ao PMDB
para derrotar a indicação do PSDB na eleição indireta.
A essa altura, portanto, o jogo de pressões será intenso. O cenário mais
provável é o da não decisão, o que leva o embate bipolarizado para o pleito de
2018, mantendo chance real de mais uma derrota para o PSDB e seu programa
impopular.
O jogo é bruto.
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