Por Una Cabeza
Qual o cenário mais provável para o Cone Sul para os
próximos anos?
Vou fazer um exercício a partir das eleições argentinas na semana que vem.
Antecedentes.
Desde que o presidente James Monroe resolveu que os USA têm o direito de
interferir na vida e soberania dos países da América Latina, aquele país não se
conteve em intervir, cooptar agentes e atores, enviar tropas, mudar governos e
fomentar golpes de estado. Quanto mais perto o país, parece que mais
intervencionistas foram. México, América Central e Caribe foram suas vítimas
preferenciais em número de ocorrências.
Dentre os distantes temos o Cone Sul, com poucas intervenções, alguns golpes de
estado. Coisas mais leves do que intervenções e sequestro de territórios, como
no México, Colômbia e até em Cuba, por exemplo.
Mas a realidade é que desde o
governo Carter as intervenções se reduziram, tornaram-se mais sutis,
conjugando-se com a onda avassaladora do neoliberalismo de Reagan, o sequestro
de riquezas assumiu nova versão.
Mas o mundo gira e a Lusitana roda, dizia o chavão inesquecível do portuga que inovou no daqui pra lá, de lá pra cá nesse brasilzão inquieto.
Um mundo multipolar ensaia os primeiros passos, o império
hegemônico dá sinais de fadiga, contaminado por si mesmo, outros já galinhos
cantam no galinheiro com o galo velho enfraquecido.
O Mercosul saiu do papel. A União Européia arquivou séculos de desconfiança e
mágoas comuns e recíprocas, todas ainda tisnadas com o sangue derramado. Por
nada. Os inimigos de ontem viraram sócios, ainda que submissos ao império
decadente.
Nesse meio tempo, a América do Sul teve os laços entre os vizinhos estreitados,
quase nenhuma confusão e talvez a única área subcontinental sem forças armadas
estrangeiras permanentes, uma base militar que seja dos antigos países metrópoles, ou dos
novos donos do mundo que emergiram no pós-guerra.
A América do Sul teve espaço para se ajustar e resolver suas questões pela
diplomacia. Atribuo muito disso ao próprio Brasil, o maior país do
subcontinente em tamanho, força, economia, população etc, cuja opção pacifista
na solução de questões externas é notória e que formou até uma escola de
diplomacia. Esses princípios de respeito e não intervenção, bem como qualquer
aventura bélica de conquista são expressamente proibidas constitucionalmente.
O fato é que com maior ou menor proximidade ideológica entre governantes, a
América do Sul passou os últimos tempos ao largo de tensões críticas. Até
porque países, feliz ou infelizmente, não conseguem se mudar e deixar pra longe
eventuais vizinhos incômodos.
A Lusitana já avisou que esse tipo de mudança não faz.
Consequentes.
Estamos na semana decisiva para a eleição na Argentina, nosso maior vizinho e
parceiro comercial e com quem o Mercosul obteve a vitória de eliminar as
antigas e profundas desconfianças comuns, advindas ainda do período colonial.
Há dois candidatos.
Um outsider da extrema direita radical reacionária, em grau
de loucura semelhante ao que nos livramos há um ano, e outro com trajetória
política conhecida e que pretende encontrar, dentro dos limites democráticos, o
encaminhamento de soluções para a enormíssima crise que a Argentina atravessa,
ainda oriunda de governos neoliberais que até a dolarização da economia
fizeram.
Estão ambos pau a pau e a Argentina dividida. O vencedor, a se acreditar nas pesquisas,
será decidido no photochart.
Por una cabeza, só para evocar o maravilhoso tango
de Gardel.
O doidão antipolítica e antidemocracia, o tal Milei, tem como plataforma demolir
tudo para reconstruir. A gente já viu aventuras semelhantes, nunca deu certo.
Mas isso é coisa deles lá, que escolham com a cabeça, não com o fígado.
Logo agora que, daqui a dois meses, fará parte do Brics.
Mas só imaginem se esse cara, em sua obra de demolição, decidir pelo alinhamento automático ao império decadente, o mesmo que tem encontrado algumas dificuldades com as veleidades soberanas dos países da América do Sul. Até a Colômbia, país que já foi invadido e esbulhado em território pelos Estados Unidos e há até pouco tempo seu alinhado incondicional, experimenta novas posturas.
E se a Argentina em novas mãos resolver ceder território para implantação de
base militar do Otanistão como forma de pressão aos demais países?
Não se pode perder de vista que a ampliação do Brics contraria as intenções do stablishment, transformar a Argentina num ovo de serpente contra o atualmente chamado de Sul Global é cenário que não pode ser afastado.
E se os Estados Unidos instalarem base militar no Cone Sul, haverá algum país que
se proponha a ceder à China, império emergente, à Rússia, com seu poder nuclear
avassalador, ou a algum outra potência intercontinental a instalação também de
base militar?
Isso traria a guerra geopolítica da troca do império dominante para a América do
Sul? Passaria a ser objetivo militar estratégico? Quase uma Ucrânia entre a CE e
a Rússia?
Como será que a comunidade sub-continental irá reagir e especialmente o Brasil
frente à nova ameaça?
Estreitará os laços ainda mais com o chamado Sul Global? Baixará a cabeça e
engolirá o fato consumado?
Como será nosso mundo a partir da semana que vem?
Pelo sim, pelo não, acho que já poderíamos pensar em substituir nossos
marechais por gente competente e desenvolver técnicas de combate não convencionais para poder garantir nossa soberania.
E talvez nem dê tempo para formá-la.
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