sexta-feira, junho 23, 2023

Selva Terrorista Parte III – E Agora?

Imaginar que o grupo golpista fascistóide abandonou seu projeto de poder seria ingenuidade perigosa.

A extrema direita pode ser comparada a uma Hydra de Lerna política, com suas múltiplas cabeças de serpente autorregenerativas e mortalmente peçonhenta até pelo hálito.
Sua cabeça do meio, a imortal (mas nem tanto), é a meia verdade. As outras, as mentiras, a ausência da verdade. A mentira não cria verdades, mas decepada, cria novas mentiras.
Já a meia verdade as cria factoides com cor e forma de verdades a partir de mentiras.
Meias verdades são a alma mater dos enganos, dos erros, dos ódios, dos conflitos, das injustiças. Haverá um Hércules que a consiga decepar a cabeça imortal das meias verdades e enterrá-la sob as pedras?
Há. Chama-se Estado Democrático de Direito. Por isso a necessidade de defesa intransigente da democracia, de suas instituições, do respeito à cidadania coletiva.

Como sobreviver à frustração dos planos dick-vigaristas?

Vejo dois cenários possíveis.

Cenário 1 – Gestão de Danos

Após dar tudo errado no Plano Dick Vigarista C3, passou a ser necessário o resgate de imagem das forças golpistas, em especial as do Exército.
O então comandante do Comando Militar do Sudeste, o de maior importância em efetivos e que acolheu e fomentou um grande acampamento de golpistas em área militar do QG no Ibirapuera, verbalizou pronunciamento em defesa dos valores democráticos, o que foi muito bem recebido. E isso coincidindo com a exoneração do então comandante do Exército por divergência em um caso administrativo. Tudo muito oportuno. Substituiu o exonerado e age para descolar a imagem do Exército dos golpistas a par de dar apoio à democracia.
Bem se percebe que esse movimento trata de gestão de danos. Alguns oficiais serão afastados, outros processados e condenados pela Justiça comum, eventualmente alguns também pela Justiça Militar, podendo até ocorrer expulsão por indignidade. Serão imoladas tantas figuras quanto necessárias para preservar a instituição. É uma questão de sobrevivência corporativa.
Da mesma forma como os colegas atravessavam a rua para não encontrar com o capitão Bolsonaro proscrito ao mesmo tempo que votavam nele e em seus filhos, o exercício do momento é se afastar dos escolhidos para o holocausto purificador na reconstrução da imagem de submissão à democracia. A declaração do dublê de marechal e senador, Mourão, foi esclarecedora como exemplo. 
https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/mourao-coronel-lawand-jogou-carreira-na-latrina-ao-incitar-golpe
Por evidente, Lawand, Cid, mais um ou outro oficial, nenhum general, alguns suboficiais e praças purgarão a culpa golpista.

A par disso, a despolitização dos quartéis será promovida e desestimulado o envolvimento em assuntos políticos.
Isso não significa em absoluto uma revisão estrutural, um abandono do anseio de protagonismo político, mas um recuo oportunista. Oxalá esse recuo se transformasse em reposicionamento real, porém não há indicativos disso.

Cenário mais provável, trará à sociedade um período de trégua. E, se assumida a possibilidade de reposicionamento, de uma nova era sem golpes, pondo fim a um ciclo de sucessivos golpes e instabilidades que nos infelicitam há cento e trinta anos.

Cenário 2 – Retomada do Golpe

É conhecido que o golpe somente não aconteceu por ordem de Biden. É lógico que não lhe moveram amores pela democracia no Brasil, mas interesses. Interesse de não haver um antagonista presidindo a segunda maior democracia do mundo. Interesse em atrair, por gratidão, a maior liderança geopolítica terceiro-mundista e sócio do Brics. Sem contar a composição necessária para o enfrentamento político com a China, atualmente a maior ameaça à hegemonia estadunidense e à pax americanae.
Mas acontece que Lula tem uma posição nacionalista muito forte em sua política externa.

Busca composição e negociação com todos os países conforme o interesse individualizado do Brasil, relegando a segundo plano os interesses geopolíticos dos países líderes e de blocos.
Isso desagrada a Biden, que já manifesta seu desagrado com as atitudes do aliado. No limite, pode decidir afrouxar as posições antigolpistas, o que poderia animar a alguns por verem um campo aberto a negociações.
https://sputniknewsbrasil.com.br/20230621/lula-nao-reconheceu-o-que-fizemos-pelas-eleicoes-no-brasil-diz-ex-embaixador-dos-eua-em-brasilia-29312217.html
Não à toa que Lula tem procurado fortalecer os laços comerciais e pessoais com a comunidade internacional, reinserindo o Brasil no tabuleiro geopolítico como voz ativa com protagonismo. É evidente que, independente das razões outras, esses laços fortalecidos trariam reações e represálias num ocorrência de quebra institucional no Brasil.

Mas de qualquer forma, esse é o cenário menos provável, virtualmente impossível. Os Estados Unidos têm eleições presidenciais no ano que vem, coincidindo com nossas municipais. Não acredito que Biden, candidato à reeleição, considere ser hora de bola dividida no quintal.